março 12, 2012

Aos grandes de cabelo

Sentei em um dos degraus, exausto. Cinco minutos de descanso! Dia danado de puxado! E no caminhão, o trabalho ainda se fazia urgir. Descarregar todos aqueles móveis, subir três andares, empurrar geladeira, cama, fogão, armários... era demais para meus franzinos músculos. Eles deviam estar atribulados com o exaustivo esforço que era cobrado a eles sem sobreaviso. Mas ainda assim, se manteram firmes no propósito. Desde as 3h da matina eu já havia percorrido mais de 500 km, ajudado a descarregar a mudança da minha amiga, e quase 10h da noite ainda não terminara de subir com todos os meus móveis, apesar do auxílio da minha mãe, do motorista e de Leandro, que passaria a morar comigo.
Os segundos que dispuséssemos de um merecido descanso eram verdadeiras dádivas, já que com o horário adentrando a noite, tínhamos que correr para retirar o carro da via de circulação do condomínio. Fome, sede, suor... sentado no degrau de acesso ao bloco, mão na testa, coração em disparado, nervos do braço em sutil descontrole, vislumbrei o escuro da noite em volta com argúcia atenção, e eis que o último lugar aonde eu arrastaria meus pensamentos naquela hora, se fez presente.
Da entrada do condomínio, um grupinho de quatro rapazes surgiu. Jovens entre seus 15 e 17 anos, falantes. A princípio, não lhes dei o mérito da apreciação, mas tão logo meus olhos encontraram os fios claros e compridos que caíam da cabeça até o dorso do ombro, não resisti à atração. Desde pequeno, sempre achei interessante os garotos que usavam cabelo longo. Parecia um tipo de resistência à sociedade, que atribui conveniente tão somente às mulheres o uso espontâneo das longas madeixas. O garoto que o usa se sobressai, garante de longe, a sua individualidade. E foi exatamente por isso, que distingui o garoto de cabelo longo, entre os quatro que passavam por nós.
Ele estava longe de ser um astro do cinema em seu olhar inocente e sorriso de menino, mas aos meus olhos ele ganhara o papel principal. Confesso, que um certo constrangimento emergiu quando nossos olhos se bateram. À época, eu também usava cabelo longo, e quando dois cabeludos se cruzam, surge sempre um choque de identidade. É preciso garantir a individualidade. A primeira reação é assegurar-se do espaço em volta. Sentindo-se seguro, passa-se a reconhecer o outro, e depois de analisado cada fio a mais ou a menos do desconhecido, ele é aceito em sua totalidade.
O dono da farta cabeleira e seus companheiros cercaram-se do modesto caminhão que transportava a mudança e um risinho saiu. Deboche? Minha mãe demonstrou o quanto aquilo a tinha atingido ao esboçar seu gesto reprovativo com a cabeça. Eles logo se foram. Com desdém ou não, me levantei e olhei ainda uma vez mais para o meu parceiro de penteado. Ele não parecia uma má pessoa. Na certa, deixara-se envolver no humor negro dos amigos. Ao menos, não visualizei nenhuma maldade em torno dele, como se eu tivesse alguma sensibilidade mediúnica. Era a danada da “platonice” se instalando. Mal me alojara na nova moradia e já ganhara uma dor de cabeça pro coração. Estava perdido!
Os primeiros dias na nova cidade eram imprecisos. O único lugar para onde conseguia me deslocar era a faculdade. Sequer sabia o destino do ônibus que passava na rua. O condomínio por si só já me era uma cidade. Não foi difícil encontrar novamente o garoto do cabelo incomum circulando por ali. Da janela do meu terceiro andar, passei a espreitar cada passo que ele e seus cabelos dessem. O binóculo da infância nunca foi tão útil. Estava pateticamente viciado em admirá-lo. E quando o acaso nos jogava ao embate do outro, eu ficava mais desconsertado que relógio quebrado. Ansiava loucamente conhecer mais a fundo suas expressões faciais, a textura de seus fios, o contorno de suas mãos, mas meu cérebro enviava sempre aos meus olhos o comando “fuga”, a menor aproximação.
Comecei a descobrir algumas amizades pelo condomínio. Mesmo os mais eremitas conseguem estabelecer alguns contatos e as amizades surgem de onde menos esperamos. E certa noite, ao olhar da janela, vi uma turma de garotos jogando bola no gramado da frente. Entre eles, ele! Visualizei os meus novos amigos conversando num banquinho ao lado, e sem perder tempo, fui me juntar. Agora tinha a visão privilegiada do alvo e a total permissão para observar.
- Você joga futebol? – Minha mais nova amiga me perguntou.
- Não! Mas acho lindo quem joga.
Não fui totalmente desonesto com a verdade. É só uma questão de ambiguidade.
- Você se parece um pouco com Fabrício.
Quem? Eu?
- O cabelo, talvez. – Frisou o meu outro amigo.
Ah, então esse era o nome dele? Fabrício! Que privilégio me parecer com semelhante objeto de desejo meu. Ali a poucos metros de mim, Fabrício, o garoto que me ganhara a mente, corria, marcava e driblava, sem imaginar os olhos que lhe lançavam profunda estima. Como sempre acreditando na capacidade da água em tornar tudo mais harmonicamente perfeito, o suor que lhe escorria em bicas, transmitia ainda mais poesia ao seu cabelo. O movimento dos fios molhados ao correr contra o vento me era tão probo, que intimamente o senti imaculado, sacro, intocável. De repente o olhava como um pai, no máximo. Sim, era assim que o via, como um filho, que viria ao fim da partida para casa e teria a minha proteção contra as mazelas do mundo.
Obviamente que isso era fruto da minha mente fantasiosa. E ao fim do jogo, Fabrício seguiu seu caminho. Contudo, a visão de esmero que ele simbolizava me acompanhou por um longo período. Nas reflexivas tardes de domingo na janela, no ônibus lotado para casa, na fila da padaria. Até o dia em que ele apareceu com o cabelo cortado. Foi nítida a mudança que me acometeu. Consegui lhe fixar o olhar sem nenhum embaraço, e como por magia, desapareceu todo o encanto que antes existia. Ele parecia tão comum, mais que isso, imperceptível. De fato, não era belo, não tinha atrativos que despertassem a atenção de alguém. Com o cabelo foi embora também todo seu magnetismo. E em pouco tempo era só mais um a circular pelo condomínio. Que feitiço se havia operado? Ah, enigmáticos fios! Quantas sensações são capazes de produzir em um único miolo. Talvez um dia possa compreender a origem de tamanho apreço. E para não perder o hábito, esses dias um loiro de cabelo amarrado cruzou meu caminho no shopping. Dois segundos depois o estava perseguindo para partilhar um pouquinho mais a presença do seu aliciante pelo


COMUNICADO!
GALERA, DESCULPA O SUMIÇO PELOS BLOGS DE TODOS. É QUE ANDO SEM NET HÁ ALGUMAS SEMANAS. MAS QUANDO ISSO FOR RESOLVIDO, VOLTAREI À ATIVA. ABRAÇOS!!!

26 comentários:

  1. Era de fato um Sansão.

    Eu fico mesmo muito bobo lendo essas histórias de paixão platônica, torcendo para os dois terminarem juntos no final mesmo percebendo que não vai acontecer.

    Vc teve alguma paixonite que se concretizou?

    ResponderExcluir
  2. Não me pergunte por que, mas achei seu texto diferente. Não sei se o encadeamento das frases, algumas palavras, não sei mesmo. Pode ser minha intuição, ou eu quem esteja diferente, sei lá. Continua interessante e belo, como sempre... mas, diferente!

    Abração.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Cesinha, vc tem razão.
      Ao final eu percebi que estava um pouco diferente.
      Acho que me deixei influenciar pela escrita de um livro que estava lendo.
      Mas não se preocupa que são só testes que saem de vez em quando. rs

      Abração!!

      Excluir
  3. vc o via como filho?
    sério?
    de verdade vc AQUI vai sustentar essa mentira q vc contava pra vc mesmo?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ué, o que tem de estranho nesse fato, Foxx?
      Descrevi o que ele significou pra mim naquele momento.
      Nem todo desejo de um homem para com o outro é sexual.
      Eu posso até ter tido outras intenções com ele, mas que o vi como filho, vi.

      Excluir
    2. É comum receber este tipo de cometários Gay Incomum!
      A maioria dos humanos, ainda não conseguiram adquirir bases pra lidar com este tipo de informação.

      Já aconteceu uma história similar comigo.
      Achei um menino extremamente lindo com os cabelos um pouco grandes, eram só uns 6 cm de comprimento, parecia um índio.

      Quando ele cortou me deu um choque ao ve-lo trasnformado, mas ainda assim eu o achava lindo, lindo na alma.

      Já tive a impressão de ter adotado o pequeno para mim, me senti um pai virgem.

      Sei exatamente como se sentiu.

      É fato que meu blog só foi criado por causa desse garoto.
      Contudo...

      Eu fui além de só sentir, eu fiz algo melhor.
      Caso me dê essa honra, deixe seu coment em meus posts, acho que sua opinião será de grande importância.

      Mesmo que ela não seja o que eu queira ouvir, respeito isto.
      Abraço!

      LIBERDADE

      Excluir
    3. Oi, Liberdade, obrigado pelo comentário.
      Pois é, às vezes nosso psicológico encontra caminhos que até nós mesmos desconhecemos.
      Eu sempre tive essa coisa de cuidar dos garotos que eu achava interessante.
      Talvez fosse a maneira que eu encontrava para permitir me relacionar com ele, já que eu não aceitava ser gay e não imaginava que poderia ter algo além disso com outro garoto.
      Enfim, liberdade de pensamentos e conceitos, né?
      Abração!!

      Excluir
  4. ^__^ Não gosto de homem de cabelo grande! Você destruiu todas as minhas fantasias sequixuais - vou ali cometer "harakiri".

    PS: iluminada essa história de projeção fraterna. Kinda incestuosa, meio monstro (adoro a complexidade do ser).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, Homotoon, pena que vc não aprecie a delicadeza e a sensualidade dos cabelos longos no homem.
      Manda pra mim todos com quem vc cruzar, q eu vou adorar!! rsrs

      Abraço!!

      Excluir
  5. Sobreviveu ao carnaval? Hahaha

    Bom, eu acho cabelo grande em homem estranho, sei lá. Não me apetece. Inveja talvez por ter cabelo pichaim que só cresce pra cima hahaha. Vai saber.

    Beijo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Lobo, pois é, sobrevivi aqui em casa mesmo.
      Nem vi a cor das alegorias da Conceição. rsrs
      Quanto ao cabelo grande, vi sua foto com o cabelinho maior e achei fofo.
      Devia experimentar esse visual. = ]

      Abração!!

      Excluir
  6. Prefiro cabelo curto, mas como sou aberto a novas experiencias!!
    uahuahuahuahu
    gostei muito do texto, parecia que eu estava conversando pessoalmente com vc!!
    Abraçoooo!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Vanderson, que bom que gostou do texto!
      Pois é, é sempre bom se abrir a novas experiências.

      Abração!!

      Excluir
  7. cabelo grande ou cabelo curto ... cada um tem o seu encanto ...

    vê-lo como pai ... um fetiche em princípio estranho mas pq não ser vivenciado ...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, Braccini, os dois encantam, mas o grande me encanta e me hipnotiza. rsrs
      Quanto a vê-lo como pai, repito o que escrevi aí em cima.
      Eu sempre tive essa coisa de cuidar dos garotos que eu achava interessante.
      Talvez fosse a maneira que eu encontrava para permitir me relacionar com ele, já que eu não aceitava ser gay e não imaginava que poderia ter algo além disso com outro garoto.

      Abração!!

      Excluir
  8. Entendo perfeitamente esse lance de ver como pai, filho, amigo...
    Muito do que sentimos em relação a outros homens passa por aí! O coração, o amor, a atração, seguem motivações que muitas vezes não somos capazes de entender...
    Mas quando pelo menos conseguimos admitir e saber o que sentimos... Já é um bom começo.

    Todas foram platônicas até hoje?

    Ab

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Alex, então, acho que o próximo post responde um pouco sua pergunta. rs

      Abração!!

      Excluir
  9. Cabelo grande??? Amo, de verdade!!!

    E o texto tá sim um pouquinho diferente, mas acho que é só um quê de mais maduro...

    Beijos!

    ResponderExcluir
  10. Esse foi o primeiro post que eu li aqui. Apreciei muito. Sem dúvida, você tem algo especial que torna seus textos tão bons de ler e ao mesmo tempo tão próximos de mim. Esse texto em que o garoto de cabelos longos que você queria ter tão próximo entretanto estava tão "distante", demonstra que você não é tão incomum assim.

    Biólogo Hipocondríaco

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Biólogo Hipocondríaco, pois é, muitos já falaram que não sou tão incomum assim, mas analisando de perto, ninguém é comum, todos temos nossas particularidades que nos tornam incomum em algum ponto.
      Quanto a considerar o texto próximo a você, talvez seja a identificação, quando nos enxergamos em uma situação descrita por outro, nos aproximamos dela.

      Abraço, garoto!!

      Excluir
    2. Isso aí. Gays incomuns com coisas em comum. Valeu pelo tempo... Aliás, eu também gosto de cabelos grandes... Rsrs

      Abraços...

      B.H.

      Excluir

Sintam-se livres para deixar seus apontamentos no meu diário.