novembro 20, 2011

Primeiros sinais

Percebi desde o início que algo diferente havia em mim, embora não soubesse explicar exatamente o que seria. Fui um garoto muito tímido. Tinha medo de me expor, de me aproximar das pessoas, de ficar envolto a muita gente. Meu pai era um homenzarrão forte, robusto, alto, que só pela sua presença, já me transmitia segurança. Adorava deitar sobre a sua barriga e ficar puxando os pelos do seu peito. No fusquinha branco que possuía, gostava de andar sempre em pé entre ele e minha mãe, quase em cima do freio de mão. Esses passeios foram realmente momentos preciosos, que jamais tornariam a se repetir. Não sei exatamente como, mas a música Deslizes de Fagner sempre me traz de volta essas lembranças, muito embora minha mãe afirme que o carro do meu pai não tinha toca-fitas.
Morávamos numa pequena cidade de interior. Minha mãe era uma jovem aventureira, disposta a conhecer as possibilidades que o mundo tinha a oferecê-la. Já meu pai era um aposentado do exército quando a conheceu. Conhecido pela sua generosidade com os menos abastados e o sucesso do seu charme com as mulheres. Os 28 anos de diferença entre ambos não se mostrou um empecilho para o envolvimento deles. Depois de alguns anos entre rede, lençóis, televisão e gargalhadas, eis que fui concebido, e eles oficializaram a relação ao morar juntos.
Cheguei ao mundo rodeado de muito carinho e amor da família. Fui crescendo naquele mundo azul celeste, sem conhecer muito a verdadeira realidade do mundo. Tudo ou quase tudo que desejasse eu acabava obtendo de uma maneira ou de outra. Mas tinha uma coisa que eu nunca consegui. Sempre sonhava com um irmãozinho com quem eu pudesse brincar junto, e apesar de insistir com minha mãe, ela nunca mais teve outro filho. Talvez em consequência de sua separação do meu pai algum tempo depois, e por, de alguma forma, considerá-lo insubstituível. Ele, ao contrário, não ficou sozinho por muito tempo e em mais alguns anos ganhei outros meios-irmãos. Digo "outros" porque meu pai já tinha tido outros filhos antes de mim. Na sua lista oficial eu era o quinto.
Essa separação ocorreu quando eu ainda tinha 4 anos e acabou atrapalhando muito o meu relacionamento com meu pai. Com a perda do contato, em virtude da distância, aliado à minha timidez, me sentia quase um estranho em sua presença. Nunca mais fui o garoto que arrancava seus pelos na cama. Agora sozinho com minha mãe, apesar da forte presença da minha avó, alguns traços da minha personalidade começavam a aflorar. No meu íntimo, sentia que havia determinadas situações que gostava de vivenciar, mas que minha mãe não as permitia, desaconselhando completamente. Logo percebi que também havia sentimentos que deveria ocultar dela, se não quisesse enfrentar problemas.
No ano de 1991, então com 6 anos, comecei a intensificar um hábito de minha mãe, que eu já vinha explorando desde meus primeiros contatos com a televisão: as telenovelas. Minha mãe era uma noveleira insaciável, acompanhando uma após outra, sofrendo, torcendo e consumindo todos os tipos de padrões de comportamento e beleza transmitidos. O contágio foi imediato, e logo me vi na mesma situação. A novela Felicidade, de Manoel Carlos, encantava o país àquela época. As crianças Bia e Alvinho eram o grande destaque da trama. Lá em casa, todo mundo torcia pelo bem da menina, achavam-na mais doce, mais inteligente, mais bonita. Eu, particularmente, preferia o menino, me sentia bem mais ligado a ele. Queria brincar com ele, abraçá-lo, cuidar dele. Sem entender exatamente o porquê, sabia que devia fazer segredo desse meu sentimento.
Mal sabia eu que aquilo era somente o início de uma luta interna, que duraria quase duas décadas. Sempre gosto de pensar o que teria acontecido se, por acaso, não tivesse tido receio em expor ao mundo minhas verdadeiras sensações. Com certeza teria enfrentado muitas discussões com minha mãe, teria tido uma infância em constante conflito com ela. Será que seríamos tão apegados como fomos? Será que ela me entenderia com o tempo ou viveria decepcionada e envergonhada da condição do filho? Eu não queria correr o risco, talvez por medo de criar uma barreira entre nós, semelhante a do meu pai. Preferi, quem sabe inconscientemente, manter a aparência de normalidade alimentada por ela, e anular o que sentia de fato. Era mais fácil. E ela era minha mãe, queria a minha felicidade e deveria saber o melhor para mim. Então por que sentia às vezes que o importante pra ela nem sempre correspondia ao que era pra mim? Nesse mundo desumano e insensível que começava a aparecer, o garotinho de 6 anos tinha muito que aprender ainda.

8 comentários:

  1. Putz... belo texto... eu não sei, aliás, meu mundo sempre girou em uma velocidade diferente dos outros.

    Hoje, olhando para trás, me lembro de ter curiosidades... mas só muito tempo depois, eu começaria entender a coisas... E é sempre um jornada solitária e muito difícil.

    A dúvida que sempre me fica, será que realmente ela o rejeitaria se soubesse?! As vezes nossos maiores medos, são na verdade o que um dia poderá nos salvar...

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  2. parabéns pelo blog menino
    mas eu fiquei com uma duvida imensa,
    o q tem de "incomum" em vc...

    acho q vou esperar os proximos textos pra descobrir

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  3. Obrigado pelo comentário... impressionante como algumas coisas as vezes nos levam a momentos do passado né?!

    Bom... se você quiser papear uma hora dessas meu e-mail é: algernon.br@gmail.com.

    Abração e boa semana!

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  4. Então, Deslizes do Fagner tb me lembra minha família. Mas, no meu caso, me lembra minha mãe...

    Muito do que vc escreveu aqui me desperta certas nostalgias e sentimentos esquecidos... Muito bacana seu texto. Abraços!!

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  5. Me familiarizei com seus textos. Gostei muito do blog...

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  6. To gostando de ler e me identificando com uma serie de aspectos de sua vida: isso prova que talvez voce nao tenha e nada de incomum!

    E vamos que vamos para o proximo post!

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  7. Me lembro de ter tido uma sensação estranha quando assisti ao filme do menino maluquinho, não tenho ideia de quando anos eu tinha :P
    No começo do filme há uma cena em que ele está tomando banho e aparece pelado. Acho que é a lembrança mais antiga que eu tenho dessa confusão de sexos. Isso se repetiu com os filmes do Street Fighter, quando Ryu e Ken apareciam sem camisa, e outros, mas esses me lembro melhor.

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  8. Nossa, que texto... vou continuar lendo o blog. Sei bem como é sentir-se diferente... e melhor ainda as duas décadas por vir...

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