Eu sabia que precisava
me aperfeiçoar como hétero na nova escola, mas não estava
nem um pouco disposto a sair ficando com mais garotas. Depois da tempestiva
Bianca, eu não queria mais me submeter àquele tipo de provação. Mas como deixar
claro para todos que eu não era mais um “veadinho” que chegava de outra cidade,
se não mostrava serviço? E pior! Como mostrar um bom serviço, com minha parca
experiência? Mais alguns saldos negativos, e o garoto tímido seria compulsoriamente
tachado de gay. Tinha que fazer algo. Afinal, se havia decidido tentar ser
hétero, deveria estar preparado para todas as consequências.
Minha principal
meta era aperfeiçoar o beijo, a tal pegada, dominar a arte da paquera e da
conquista. Mas estava claro que não podia iniciar o processo com as garotas da
escola. Quando alguma de lá resolvesse chegar em mim, eu já tinha que saber
como fazer. Isso me perturbou por um bom tempo. Tinha medo de que a qualquer
hora uma garota surgisse e eu não estivesse pronto para assumir meu papel com
propriedade. O dilema só teve fim já pertinho do ano acabar, quando entrei em
contato com meu primo Lucas.
Lucas era
daqueles primos que moram na mesma cidade, mas que nunca temos contato. Na
realidade, a mãe dele é quem é prima legítima da minha, nós então, primos
segundos. E até aquela data não tínhamos nenhuma ligação além do parentesco que
nos unia. Foi minha mãe quem nos aproximou. Lucas era engraçado. Nas poucas
vezes que o vi na escola, quando era criança, eu o considerava um garoto tímido
e muito na sua. De fato, ele ainda o era, mas ao mesmo tempo, revelava um lado tão
descontraído que parecia outra pessoa. Além disso, seu andar era cômico, como
se a cada passo só pudesse mexer do joelho para baixo.
Embora eu
passasse a semana inteira na casa da minha tia, na cidade vizinha, todos os
fins de semana eu estava em casa. E foi exatamente aí que Lucas entrou. A princípio,
nos encontrávamos à noite, no lugar mais badalado da cidade, a igreja. Não, não
era uma juventude adepta à religião. Mas lá, enquanto a missa acontecia, a
molecada se reunia no patamar para fofocar. Ir à missa era uma tradição na
minha família. Quando era menor, costumava ir aos domingos pela manhã. Depois
que cresci, o sábado à noite era a opção mais adequada. Eu até que acompanhava
direitinho dentro da igreja, sentado nos últimos bancos, mas depois que Lucas
apareceu, eu descobri por que a missa do sábado era tão atraente à moçada.
Foi lá que
Lucas traçou os primeiros passos para o que viria a ser meu treinamento na arte
de “ficar”. Logo éramos dois garotos solteiros à procura da caça. Eu realmente
queria ganhar mais experiência, mas no fundo, sentia que não seria uma boa
ideia voltar a me envolver com garotas. Já estava no fim do ano na escola e
nenhuma outra garota havia se interessado por mim. De certo modo, eu já estava
me acostumando a não ter ninguém no meu pé e não ter que fingir nada para
ninguém. Mas quando Lucas arranjou os primeiros encontros, não tive como dizer
não, diante da sede incontrolada dele pelo sexo oposto. Se eu me negasse a ficar
com uma menina, seria no mínimo estranho.
E assim voltei
a explorar o universo feminino. Primeiro uma, depois outra. E outra. Mais
outra. A cada fim de semana, uma garota diferente que nunca tinha visto cruzava
meu caminho. Para Lucas aquilo era a festa. Para mim, um pesadelo. Minha fama
na cidade já estava começando a correr solta. Recordo-me de escutar de umas
garotas, enquanto beijava outra numa esquina: – “Olha! Ele não é gay”. Até minha
mãe começou a se preocupar com essa minha fase “galinha”. – “Um menino tão
bonitinho como você não precisa ficar saindo assim com uma e outra. Arranje uma
namorada”. Foi com essa desculpa que pus fim nas saídas com Lucas. Acabou sendo
mais fácil do que imaginava. Apenas disse que não estava mais a fim e ele
entendeu perfeitamente. Na verdade, tudo era sempre mais simples quando se
dizia a verdade. Eu só não havia compreendido ainda.
Com o fim do
primeiro ano do ensino médio e as experiências com mulheres que tive ao longo
dele, consegui me sentir mais seguro, mais preparado para encarar o mundo. Parece
que a máscara hétero estava funcionando. Não era a minha realidade, mas naquele
momento me pareceu a saída mais funcional para levar a vida. Por mais que
alguém pudesse desconfiar da minha sexualidade, a camuflagem que consegui com
as garotas que Lucas me arranjou naquele ano lançou uma baita dúvida no ar. Era
difícil sim ter que manter aquela fachada, mas seria bem pior suportar o
julgamento de todos. Até aquele momento eu acreditava que todo gay era necessariamente
efeminado, inclusive eu, e isso eu não queria de maneira alguma. "Tem que controlar esses
trejeitos, engrossar a voz e entrar no grupo". Esse era o pensamento. O difícil
mesmo era enfrentar as novas provas pelo caminho. E elas sempre viam. Antes do ano acabar, estava eu com minha terceira namorada oficial.
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