fevereiro 21, 2012

A maioridade

Nunca esperei a data de um aniversário com tanta ansiedade quanto os dezoito. A maioridade representava naquele momento o passaporte para um outro mundo. Não era boate, sauna, motel ou qualquer coisa do gênero, mas a possibilidade de aquisição própria de todo o universo erótico, mais especificamente, magazines. Quando a internet ainda não dominava meu dia-a-dia, a única alternativa possível para ver as formas da figura masculina era saborear algumas páginas de revista. Mas aquele conteúdo impróprio para menores só me seria acessível quando eu completasse os dezoito.
Morando há alguns meses na capital e matriculado num cursinho pré-vestibular, a cidade grande parecia me oferecer uma vasta possibilidade de experiência sexual, do tipo que eu nunca tive no interior. Ali eu era um desconhecido, ninguém iria me apontar ou me dedurar para a família, embora não fosse minha intenção sair explorando a minha homossexualidade. Não, eu acreditava realmente que seria possível manter uma vida dupla. Há pouco mais de um ano, eu tinha iniciado um namoro com uma garota da minha cidade, e mesmo com a mudança pra capital, o relacionamento continuou à distância.
Por fora, eu era o rapaz boa-família que namorava uma menina de princípios do interior, mas por dentro, era o garoto dissimulado que se masturbava no banheiro pensando em outros homens. Eu poderia ter rompido esse namoro assim que fui morar fora, mas a vivência hétero era forte demais em minha mente para me permitir tomar essa atitude. Eu sabia que era gay, mas faria o possível para não deixar isso crescer, para não decepcionar minha mãe, para viver sua realidade e lhe garantir os netos que sonhara. Assim, a capital era apenas uma extensão daqueles momentos no banheiro, para logo voltar à fachada hétero nas férias e feriados em casa.
Todavia, na capital eu poderia ampliar um pouquinho mais esse prazer. Foi assim que começou minha fixação em obter alguma revista pornográfica. Seria um bem precioso em minha vida. Até aquela ocasião os únicos pênis que tinha visto, além do meu, eram os de dois atores de revistas eróticas da minha mãe, que vez por outra eu carregava escondido pro banheiro; e o do meu tio, que na época que morei em sua casa não perdia a chance de espiá-lo quando ia se trocar.
Tudo seria mais fácil na cidade grande, se não fosse ainda a condição de menor. Como conseguir comprar uma revista na banca sem ter 18 anos? De repente poderia até encontrar algum vendedor mais interessado no dinheiro do que na minha idade, mas não poderia correr o risco. Ir até uma banca comprar revista pornô já era um constrangimento, imagina então ser barrado por isso. Cogitei até a possibilidade de pedir a alguém que comprasse em meu lugar, mas quem? E se eu pagasse a alguém? É, pararia alguém na rua e pediria para me fazer esse favor. Não, seria embaraçoso! O jeito então era aguardar pacientemente atingir a maioridade. Ela não tardaria a vim, apenas mais alguns meses.
E assim aconteceu! No dia que completei 18 anos, senti que ganhara a independência. Viva! Ninguém mais me impediria. Contudo, alguns grilos ainda cricavam na minha cabeça. Eu não podia ir à banca naquele mesmo dia. Se o cara pedisse minha identidade, veria que tinha completado 18 anos justamente naquele dia. Melhor esperar mais uma semana e ninguém iria achar que eu estava desesperado. Óbvio que não consegui seguir meu raciocínio, e no fim da tarde do mesmo dia, lá estava eu em frente a uma banca, analisando revistas de fofocas enquanto o dono terminava de atender um cliente.
Aquela não era a primeira banca que eu havia ido. Nas anteriores sempre encontrava algum motivo para me fazer desistir de ir adiante. Em uma, o dono parecia carrancudo demais. Em outra, a banca não ficava vazia ou eram duas mulheres e a vergonha era maior. Mas finalmente tinha encontrado a certa. Assim que o cliente saiu, meus olhos correram até a sessão de revistas eróticas na parte superior, e num engasgo, minha voz saiu e perguntou o preço.
- Dois e cinquenta. Pode escolher aí.
Peguei uma que achei interessante, paguei e saí. Ele nem me pediu pra comprovar a idade. Fui um tolo por não ter ido antes comprar. Mas tudo bem. O objeto estava ali em minhas mãos. Não era uma revista gay, era hétero, que seria mais fácil de esconder, e no caso de ser descoberta não iria me comprometer. Coloquei a revista na bermuda, junto ao corpo, para não chamar a atenção do colega com quem dividia apartamento. E ao chegar, fui direto ao banheiro saborear aquelas fotos tão desejadas. Cada detalhe me deixava mais excitado ainda. Comecei o que seria uma série de batidas em sua companhia.
Porém, a satisfação não durou muito tempo, logo decidi que precisava adquirir outra. Mas dessa vez tinha que ser gay. Chegava a me tremer de emoção só de imaginar ver dois caras se beijando e se tocando. E com essa intenção, parti para outra maratona pelas bancas de revista do bairro. Depois de muito procurar, enquanto criava coragem para assumir minha sexualidade por alguns segundos a um estranho, avaliei que não seria tão difícil enfrentar um garoto de seus 14, 15 anos que tomava conta da banca da mãe. Com a revista nas mãos, me aproximei do garoto, pus a revista no balcão e foquei no dinheiro para não ter que encará-lo. Ele olhou a revista, me olhou, conferiu o preço e em seguida me passou o troco. Precisava das minhas pernas para sair, mas naquele momento parece que havia esquecido completamente como andar. Com muito esforço, tomei a direção da saída e senti um funil se abrindo atrás de mim, como se um marcador gigante do Google estivesse sobre minha cabeça anunciando a todo mundo que eu era gay. A sensação não durou muito tempo, assim como a sobrevida da revista que logo se viu picada no lixo. Era o único jeito de manter em segredo aquele mundo. A maioridade tinha chegado, mas era apenas um novo reforço para reafirmar e confrontar uma condição da qual eu não poderia fugir: eu era gay!

9 comentários:

  1. Os donos de bancas de jornais devem ter muitas histórias pra contar, né? Muitos adolescentes, gays e héteros, já passaram por isso e as táticas devem ser parecidas, mas, certamente, muitas devem ser engraçadas.

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  2. ow meu Deus
    q tensão!
    nunca passei por isso
    nunca vi graça em pornografia...

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  3. Eu nunca passei por isso. Como meu pai sempre trabalhou com tecnologia e tudo mais, tive internet desde cedo :p. Mas olha, pornografia na discada era um INFERNO, vou te dizer hahaha

    Beijos Doido!

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  4. Já passei por isso também. E olha que eu já tinha bem mais de dezoito.
    A história é triste, mas seu talento pra escrever faz a leitura gostosa!

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  5. Sei exatamente o que é isso que vc escreveu...

    Abraços!!

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  6. Ah, mas esqueci de dizer: resolvi enfrentar o medo com 15 anos... hehehehe

    Pornografia gay, só depois dos 22 mesmo.

    Abraços!!

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  7. Seus post sao muito parecidos com as minhas experiencias e me fazem relembrar epocas muito marcantes da minha vida: tambem fui criado no interior e aos 19 anos fui viver no exterior para finalmente poder experienciar a liberdade que voce viveu na capital...
    So la pude me deixar conhecer e constatar que realmente sou gay...

    Estava aqui pensando como a gente sofre ate entender que nao somos anormais e que a sociedade erroneamente se intitula normal e nos considera anormais... Triste!

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  8. Bem verdade, jardineiro!
    A maior dificuldade para um gay é entender que ele não é anormal.
    Mas até isso acontecer, sabe lá o que já foi enfrentado.

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