- O que você acha?
Eu perguntei a Aline ao mostrar minha jaqueta com a letra K estampada nas costas. Ela se fez de contente e disse que Katarina ficaria feliz. Havia uma semana que eu tinha conhecido Aline. Ela atravessou meu caminho depois que Ravier se interessou por ela. Era festa do padroeiro na cidade, gente pipocando de toda parte, barraquinhas de camelôs fazendo fila na praça. O parque de diversão, que chegava todo ano na mesma época, era o ponto de encontro certo depois da novena.
Por lá, Ravier e eu circulávamos toda noite. Andávamos em alguns brinquedos e depois tomávamos um sorvete ou comprávamos pipoca. A casa dele era quase ao lado, então, muitas vezes íamos até lá beber água e conversar qualquer coisa, enquanto o movimento no parque aumentava. Encontramos, certa vez, uma pistolinha d’água em um camelô e sempre a levávamos conosco. Quando estávamos nos brinquedos mais altos, atirávamos lá de cima e os pingos caíam nas pessoas que passavam. Nos divertíamos muito com isso.
Foi em uma dessas noites, que Ravier chegou pra mim e disse que estava interessado em uma garota. A princípio bateu aquele ciúme. Poxa, ele vai ficar com essa menina agora e adeus nossa diversão. Mas depois a situação pareceu bem divertida. Nos aproximamos dela e das amigas e começamos a fazer amizade. Ravier, bem mais desenrolado do que eu, logo estava íntimo, só não tinha coragem ainda de se declarar para Aline. E foi aí que eu entrei na história. Ele comprou uma flor perfumada, dessas que vendem nas barraquinhas, me pediu que entregasse a ela e lhe perguntasse se queria ser sua namorada.
Não me agradava nem um pouco aquela tarefa de cupido, me parecia uma perda de tempo, era muito melhor estar na fila para o autopista ou o King Polvo, mas não podia fazer aquela desfeita com Ravier. O futuro amoroso dele estava nas minhas mãos, e como melhor amigo, tinha a obrigação de ajudar. E assim aconteceu. Ravier me entregou a flor e desapareceu no parque. Era minha hora de agir. Com a rosa na mão, olhei em volta e vi Aline conversando com as amigas. Meio sem jeito, me aproximei e fiz sinal para ela vir até mim. Assim que ela chegou, entreguei a flor.
- Ravier pediu pra te entregar. Ele quer saber se você quer namorar com ele.
Aline se mostrou bastante surpresa, cheirou a flor, olhou em volta na procura de Ravier, mas declinou do pedido. Disse que gostava muito dele, mas como amigo. Eu já estava saindo, quando ela me puxou.
- Ei... mas eu sei quem tá gostando de você.
- Quem? – perguntei completamente surpreso.
- Katarina.
Katarina tinha feito parte da minha vida alguns anos antes. Eu e ela chegamos a dublar Sandy e Junior em eventos de escola e festinhas na minha casa. Mas ela nunca demonstrou nenhum interesse em mim. E agora aquela menina, que eu mal conhecia, dizia que Katarina estava gostando de mim. Seria possível? Aline se explicou. Ela e Katarina estavam estudando juntas agora e a amiga tinha lhe confessado sua paixão por mim. Mas segredo! Katarina não poderia saber que Aline tinha me contado.
Ainda no susto, prometi não contar nada e saí, fui em busca de Ravier, dizer-lhe que Aline não tinha aceitado seu pedido de namoro. Era sua primeira decepção, mas ele não deixaria se abalar. Compramos entrada para o autopista e fomos nos divertir.
No dia seguinte, voltei a pensar no que Aline tinha me dito sobre Katarina. Seria mesmo verdade que ela estivesse a fim de mim? Mas nem foi preciso usar muito meus neurônios. Na mesma noite, Aline foi ao nosso encontro reforçar seu boato sobre Katarina. Não havia o menor embaraço entre ela e Ravier. Parecia que nada tinha acontecido na noite anterior. Conversavam e riam como bons amigos. E assim se repetiu outras vezes. Aline estava cada vez mais ligada a nós. Já me sentia totalmente à vontade em sua presença. Cada noite ela trazia uma novidade de sua amiga, que tinha falado em mim, escrito meu nome no caderno. Até o dia em que apareci com a jaqueta que tinha um grande K nas costas. Era meu aviso de que estava gostando de embarcar naquela aventura. Até que minha mãe me alertou.
- Deixa de ser bobo. Você num tá vendo que é Aline quem tá a fim de você?
Não acreditei. Não poderia ser verdade. Ela não mentiria para mim. Assim que a encontrasse no parque aquela noite iria tomar satisfações. Ravier quis saber se eu tinha pretensões de namorá-la no caso de ser verdade. Eu sabia que ele ainda gostava dela, e automaticamente garanti que não. Mas quando ela chegou e confessou a verdade depois de muito relutar, me senti encurralado e não consegui dizer não a ela. Não queria perder a amizade de Ravier, mas por alguma razão, me sentia na obrigação de corresponder a Aline. Eu ainda não havia entendido que o homem também poderia recusar um pedido de namoro. O machismo é maléfico aos homens também. E assim cedi ao seu pedido. Ravier ficou arrasado.
Apesar de ser a favor de me ver ao lado de Aline, minha mãe se preocupou com Ravier, afinal, ele era quase outro filho para ela. Eu me sentia muito mal, não queria estar fazendo aquilo com ele, mas na minha mente não havia outra solução. Ravier foi para os fundos do parque e sentou solitário em um banco. Minha mãe foi até lá, evitar que minha imaturidade estragasse nossa relação. De cima do King Polvo com Aline, eu vi os dois. Me deu uma vontade louca de descer lá e pedir perdão a ele. Olhei para Aline ali do meu lado sorridente e deu vontade de jogá-la lá de cima.
Era evidente que eu não estava agindo com o coração. Mas com que diabo de órgão estava agindo então? Minha sorte é que Ravier era uma alma pura, e passado o momento de desilusão, já estava de volta ao meu lado, sem eu nem ao menos me desculpar. Nos dias seguintes, voltou a ser o moleque sorridente e brincalhão de sempre. Tirou foto de Aline comigo, me ajudou a escolher bijuteria para ela nos camelôs. Virou o padrinho do nosso namoro. Aline conseguiu ainda muitos favores de mim com seu jeito ardiloso de alcançar os objetivos. Ela me apresentou o ciúme, as DRs, e me cobrou a atitude de homem. Com tudo isso, nosso namoro ainda chegou a dois meses. A amizade de Ravier durou mais um pouquinho. E Katarina... Essa nunca se interessou por mim.